24/11/2021 às 22h53min - Atualizada em 25/11/2021 às 11h10min

Do quartinho de passar roupa para o mundo

A história do empreendedor Daniel da ORPAS, nascido e criado na periferia, que fundou uma ONG no quartinho de sua casa e hoje já transformou a vida de milhares de crianças e jovens dentro e fora do Brasil

SALA DA NOTÍCIA Mariana Mascarenhas

Há 15 anos, em um pequeno quartinho de passar roupa, no distrito do Jardim São Luís, periferia de São Paulo, o empreendedor Daniel Neves de Faria, conhecido como Daniel da ORPAS, concretizava uma ideia que, ainda sem imaginar, transformaria a vida de milhares de crianças e jovens em situação de vulnerabilidade. Ele criou uma ONG chamada ORPAS (Obras Recreativas, Profissionais, Artísticas e Sociais), voltada para iniciativas que tratam de questões étnicas, diversidade, cultura, educação, empreendedorismo e cidadania. 

Tudo começou a partir da vontade do fundador em oferecer melhores oportunidades para a população da região onde ele mora desde pequeno: o distrito do Jardim São Luís. “Na década de 90, por exemplo, eu me lembro que havia muitos assassinatos e vários negros morriam. A maioria deles em confronto com a polícia ou traficantes de outras regiões.” As estatísticas, inclusive, apontavam altos índices de mortalidade precoce entre os pretos, cujo destino estava quase sempre ligado ao tráfico de drogas e criminalidade.

Filho de metalúrgico e dona de casa, Faria ressalta que é um dos exemplos que contrariou os dados da época. “Eu tive a oportunidade de estudar em uma organização social conveniada ao Senai, onde fiz três cursos técnicos: um na área de eletricidade industrial, outro na área de computação e outro na área de computação avançada.”  Graças a essa experiência, o empreendedor percebeu que, por meio dos estudos, poderia conquistar melhores oportunidades para si e para as pessoas ao seu redor. 

Desde então, Faria não parou mais de estudar: cursou escola técnica e fez graduação em administração na PUC, entre várias outras formações, totalizando sete cursos em faculdades, incluindo pós-graduação e mestrado. Ele conta que estudou muito para compreender como tornar a periferia um lugar melhor para viver. Foi então que o empreendedor resolveu criar a ORPAS, transformando um pequeno quartinho em sua casa em uma sala de aula para receber 55 alunos interessados em aprender a tocar teclado, violão e bateria. Com o aumento das oficinas, o quintal do fundador ficou pequeno para receber tanta gente e, desde então, a organização foi se ampliando cada vez mais.

Atualmente, a ONG já impactou mais de 10 mil pessoas por meio de eventos e conta com uma série de projetos, incluindo internacionais. “Fundamos a ORPAS na Argentina, fomos para a Romênia, onde realizamos atividades em parceria com a União Europeia. Durante um ano, eu fiz mais de 50 viagens para 15 países diferentes, a fim de realizar projetos de impacto social.”

Aqui no Brasil, destacam-se projetos como a manutenção de um banco comunitário, que permite a circulação de uma moeda social pelo distrito, além do programa de microcrédito e de incentivo a economia criativa; escola de talentos para crianças de 4 a 12 anos; programas para jovens empreendedores com 11 cursos profissionalizantes, como fotografia, comunicação, gestão de restaurantes e outros; Troféu Periferia Brasil, que reconhece iniciativas culturais e sociais em destaque pelo Brasil, entre inúmeros outros. 

Com a pandemia, muitas mudanças ocorreram, e a organização passou a atender as necessidades do momento. “Para mitigar os impactos da pandemia na comunidade, elaboramos algumas ações, entre elas: distribuição de cestas básicas com kits de higiene pessoal e produtos de limpeza; crédito emergencial e micro empréstimos para microempreendedores e autônomos, além das famílias da comunidade que tiveram suas rendas zeradas ; voluntários para fazer compras em mercados e farmácias para idosos ou pessoas acamadas que não tenham apoio da família e apoio às mulheres e crianças que estejam em situação de violência doméstica (orientação jurídica, psicológica, assistência para acessar a rede de proteção)”, relata Faria. 

No último ano de 2020, com o apoio de muitos colaboradores, a organização conseguiu mais de meio milhão de reais em recursos mobilizados, 130 toneladas de alimentos, beneficiando mais de 22 mil pessoas e atendendo mais de 5 mil famílias. Agora, a ORPAS se prepara para, gradativamente, voltar com seus cursos, como escola de talentos e de empreendedorismo, além de programas de atendimento psicológico, jurídico e orientação financeira à população de baixa renda, entre diversas outras ações.

Superintendente de Desenvolvimento Social da Ade Sampa

Em Outubro de 2021, Daniel da ORPAS conquistou mais um importante passo em sua trajetória: ele se tornou Superintendente de Desenvolvimento Social da ADE SAMPA – Agência São Paulo de Desenvolvimento. Trata-se de uma agência vinculada à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho da Prefeitura de São Paulo, com o intuito de promover políticas de desenvolvimento que contribuem para a redução de desigualdades regionais, competitividade econômica, geração de emprego e renda, o empreendedorismo, economia solidária e inovação tecnológica.

De acordo com a equipe de projetos da ADE SAMPA, desde a sua criação, a agência vem atuando nas franjas da cidade, capacitando empreendedores através de metodologias de gestão de negócios, acelerando negócios dos setores criativos da cidade com aporte financeiro e capacitação, fornecendo espaços de trabalho colaborativo para empreendedores periféricos, ofertando orientação ao microempreendedor sobre questões financeiras, contábeis e intermediando linhas de crédito para os microempreendedores.

A equipe também ressalta que a presença do Daniel da ORPAS no corpo de funcionários da ADE SAMPA é de extrema importância para o desenvolvimento dos projetos que a agência se propõe a ofertar aos microempreendedores. Através da Superintendência de Desenvolvimento Social será possível um diálogo mais próximo com o público alvo, entendendo melhor suas demandas para que sejam mais assertivos nas entregas. 

Além disso, a equipe ressalta que as expectativas com o trabalho do Daniel são muito grandes. Ela espera que a comunicação com as periferias seja mais assertiva, assim como que as redes do empreendedor entrem no ecossistema de desenvolvimento dos programas da ADE SAMPA, fortalecendo suas entregas e introduzindo novas possiblidades de desenvolvimento para o Microempreendedor Individual.

“Nesta nova e incrível fase, será um momento de trocas e experiências com o foco na capacitação e desenvolvimento social ainda mais abrangentes. Aproveito para agradecer ao prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, ao Presidente da ADE SAMPA, Renan Vieira, pelo reconhecimento e parceria de trabalho, e a todos os meus amigos, famíliares e colaboradores da ORPAS”, ressalta Faria.  

Filho e neto de pretos e bisneto de escravos, Faria afirma que luta para não ser uma exceção no Brasil, a fim de que mais pessoas nascidas e criadas na periferia tenham acesso ao empreendedorismo, às universidades, aos cursos como ferramenta de promoção social de emancipação do nosso povo. “Nós sabemos que estamos vivendo um novo processo de escravidão no Brasil, mas, com educação e espírito empreendedor, conseguiremos quebrar essas correntes e termos a nossa liberdade tão lutada e almejada pelos nossos antepassados”, conclui.


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